Desejo não se transfere

 
Assim como a escova de dentes e o telefone celular, o desejo é pessoal e intransferível. Desde a antigüidade, sua existência e importância têm sido objeto da atenção dos pensadores.

“Só há uma força motriz: o desejo.”

Aristóteles, 384-322 a.C., filósofo grego

O desejo pode ser freiado ou impedido parcial ou totalmente de se manifestar pelas convenções sociais ou pela lei mas não pode ser banido do sentimento pessoal. Portanto, pode ser censurado ou mesmo punido, mas não pode ser extinto. E é justamente aí onde mora o perigo (ou a salvação pois, afinal, tanto quanto as más, as grandes realizações humanas são movidas pelo desejo).

“Vivemos dos nossos desejos mais do que de nossas obras.”

George Moore, 1873-1958, filósofo inglês

“Toda a atividade humana está motivada pelo desejo e pelo impulso.”

Bertrand Russel, 1872-1970, filósofo e matemático inglês

(Aliás, a questão da censura e da repressão do desejo e do impulso como fundamentais para a existência da civilização e da sociedade – pois não haveria possibilidade de convivência social civilizada se cada um pudesse fazer tudo o que desejasse – é um dos temas centrais da ciência psicanalítica, criada por Sigmund Freud, no início do século em Viena).
Apesar de poder muito, tem uma coisa, todavia, que o desejo não pode: transferir-se de uma pessoa para outra. Não se pode desejar pelo outro. Daí decorre que, em última análise, não é possível fazer projetos de vida para os outros sob pena de “dar-se com os burros n’água.” Se alguém abdica de traçar seu próprio projeto de vida e tenta fazer a concessão de “adotar” um projeto desejado por outro para si, é muito provável que, mais cedo ou mais tarde, esse projeto fracasse pela simples razão de não ter nascido do seu próprio desejo. Nas empresas e organizações, bem como nas famílias, são muito comuns as tentativas de imposição do desejo, mesmo que seja, quase sempre, em nome do “bem” do outro.

“As pessoas não sabem o mal que fazem com o bem que nos querem fazer.”

Almada Negreiros, escritor e pintor português

Quem tem responsabilidade gerencial deve ficar atento para não incorrer nesse erro grave. Deve deixar espaço livre para os gerenciados desenvolverem, com autonomia, seus projetos pessoais, sintonizados com os objetivos da organização. Fazer isso, não significa, todavia, abdicar do poder legítimo de convencimento e de influência mas, sim, não tentar impor o que não tenha condições de ser sinceramente desejado e, portanto, não tenha força suficiente para ser realizado. Mais uma habilidade gerencial a desenvolver.