Lições da crise 2:tirando o bode da sala

 
Todos conhecem a história, atribuída por uns a Stalin (com o bode) e por outros a Getúlio Vargas (com a vaca).
Certo dia, o alto mandatário do país recebe a visita de um conterrâneo, pobre camponês, se queixando da triste situação de penúria por que passava. A pouca riqueza que possuía era um bode (ou vaca) e uma casa minúscula onde vivia com a família, numerosa. Queria ajuda para melhorar a vida da família. Depois de ouvir atentamente, o ditador faz duas recomendações: colocar o animal na sala e voltar dali a um mês. Um mês depois, repete-se a cena com a constatação pelo camponês de que a situação tinha piorado muito. Nova recomendação: tirar o animal da sala e voltar. Na volta, a constatação: a situação tinha melhorado muito.
No recente episódio da crise de energia, o governo federal parece ter lançado mão, duas vezes, da teoria do bode.
No início, deixou correr solta na mídia a versão de que o apagão era inevitável. Um prato cheio para os meios de comunicação que fizeram a festa, destacando as situações inusitadas e ajudando a criar um clima de pré-pânico. Aliás, essa é uma marca da imprensa (qualquer uma), bem caracterizada pelo advogado californiando Aaron Cohl, no livro “Como o Pessimismo, a Paranóia e uma Imprensa Descontrolada Estão nos Levando ao Desastre”, comentado em extensa matéria da revista Veja publicada em 18.03.98.

“Como a imprensa dá mais destaque aos eventos raros, ela acaba gerando medos inversamente proporcionais aos perigos reais.”

Aaron Cohl

Não que a situação não seja grave. É e muito. Mas a irresistível tentação da mídia de transformar tudo em espetáculo, levou todo mundo a colocar psicologicamente o bode na sala.
Depois que o bicho já estava lá, bem instalado, vem o governo e apresenta um plano que não contempla apagão. Sai o bode da sala.
Em compensação, são instituídas metas, sobretaxas e cortes para quem não se enquadrar. Passado o efeito do alívio temporário e verificadas com atenção as medidas substitutivas do apagão, a surpresa: as sanções eram duríssimas. Lá vai o bode para a sala de novo.
Na semana passada, o governo anuncia que quem cumprir a meta de 20% de redução está dispensado da sobretaxa e só sofrerá corte se reincidir. Sai o bode da sala, mais uma vez.
É importante observar essa movimentação porque se o governo de Fernando Henrique Cardoso pode ser acusado de incompetência administrativa, o mesmo não pode ser dito em termos político-eleitorais.
Pelo contrário, até. Na primeira campanha, a sintonia entre a queda dos índices de inflação e a subida dos índices de aprovação do candidato Fernando Henrique foi impressionantemente precisa. Na segunda, foi também precisa a manobra da manutenção do real valorizado. Tanto assim que, após a vitória no primeiro turno e duas semanas depois da posse, aconteceu o que, visto em retrospectiva, era inevitável: a desvalorização.
O saldo eleitoral dessas “pilotagens” foram duas vitórias folgadas. Agora, quando se aproxima mais uma eleição presidencial, a história pode se repetir.
Tudo indica que o governo está manobrando para tirar partido da barbeiragem administrativa que cometeu. Se tiver sorte (e se chover o suficiente) e o apagão não acontecer, vai tentar vender eleitoralmente o peixe do governo que acabou com a inflação e evitou o apagão. Ou seja, o governo que tirou o bode da sala.
É muito pouco para um governo que prometeu tanto. Mas, como diz o ditado popular, quem não tem cão, caça com gato. Ou com bode.

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