Não deu tempo, não dei prioridade oudisse "sim" quando deveria dizer "não"?

 
Nos últimos tempos têm aparecido na imprensa relatos de casos de atraso de autoridades do governo que têm gerado constrangimentos públicos.
Um mais rumoroso foi o protagonizado pelo ministro da Casa Civil, José Dirceu, que deixou o deputado Fernando Gabeira esperando por mais de uma hora depois do horário marcado. O deputado foi embora sem ser atendido e deu uma entrevista irada, falando de desrespeito e usando o episódio para justificar a precipitação de sua saída do PT.
Outros, mais recente, foi o relatado pelo jornalista Elio Gapari, em sua coluna deste domingo: o presidente da Câmara Federal, deputado João Paulo Cunha, viajou a Nova York para uma solenidade na ONU, atrasou-se e, quando chegou encontrou o plenário vazio. O evento já havia terminado. Além disso, Gaspari relata diversos casos recentes de atraso do próprio presidente Lula em audiências e solenidades. Alguns de mais de duas horas.
José Júlio Senna no seu excelente livro “Os Parceiros do Rei: Herança Cultural e Desenvolvimento Econômico no Brasil” (TopBooks, Rio de Janeiro, 1995), faz uma comparação interessante:
“… nós, brasileiros, somos merecidamente conhecidos como impontuais incorrigíveis. (…) vale registrar o respeito que os americanos em geral dispensam ao tempo das outras pessoas. Quem ainda não os ouviu agradecendo com a expressão ‘thank you for your time(…)? O your time é uma lembrança de que o tempo é da pessoa, e poderia ser aplicado de outra maneira.”
José Júlio Senna, economista , ex-diretor do BC
De fato, esses atrasos que vemos disseminados em todas as atividades e situações, das reuniões políticas aos consultórios médicos, são mais do que um simples cacoete cultural, são a disponibilização de um tempo que não pertence ao atrasado mas aos outros que esperam por ele, uma espécie de “apropriação indébita”, poder-se-ia dizer.
Por que isso ocorre, afinal? Várias hipóteses podem ser levantadas, mas a prática tem demonstrado que, quando se analisa a questão caso a caso, chega-se a uma constatação inevitável: os atrasos acontecem porque as pessoas abarrotam suas agendas de compromissos, sem definir as necessárias prioridades, não raro dedicando menos tempo do que seria necessário para dar conta dos compromissos assumidos, e/ou têm muita dificuldade de colocar limites às demandas dos outros.
Portanto, para não desperdiçar o tempo que não nos pertence, é preciso priorizar os compromissos, dar a dimensão necessária para eles e, sempre que preciso, dizer não.
“Levei anos e anos para aprender a dizer não, mas aprendi. Agora o ‘não’ sai com a maior facilidade, sem qualquer inibição ou constrangimento. Fulano, um espertalhão que conheço desde o começo dos tempos, e a quem já concedi, complacentemente, milhares de ‘sins’, me telefona: – Você poderia… Antes que ele continue, brado: – NÃO!”
Joel Silveira, jornalista
Nem todo mundo, todavia, pode (e nem deve) imitar Joel Silveira. Primeiro, por conta da língua ferina que lhe valeu o apelido de “víbora” dado por, ninguém menos, que Assis Chateaubriand. Segundo, por conta do desconto da idade (ele já tem mais de 80 anos) e, como todo mundo que chega a esse estágio da existência, por ter uma certa autorização para dizer praticamente o que quiser.
Considerando que cada “não” dito fecha uma porta, como, então, dizer os necessários “não” sem que, com isso, venhamos a ficar isolados e sem “demandas” por conta de nossa “intransigência”? É uma pergunta cuja resposta, infelizmente, só cabe em outro Gestão Hoje.

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