Ainda há tempo para o governoescapar de uma crise estrutural grave

 
A crise de governabilidade em que se viu engolfado o governo Lula, depois que o “torpedo” Waldomiro, de alto poder destrutivo, atingiu em cheio, há pouco mais de dois meses, o seu centro de coordenação política (o ministro da Casa Civil, José Dirceu), tem ajudado a tornar evidente uma outra crise, esta de natureza estrutural. Trata-se da crise de governabilidade que acomete, de um modo geral, o sistema presidencialista no Brasil.
“Estão dizendo que o escândalo do Waldomiro paralisou o governo. Errado. A paralisia do governo deve-se à ausência de Waldomiro.”
Fonte da Coluna Elio Gaspari, 25.04.2004
A fonte de Elio Gaspari, à qual ele se refere na coluna como “um sábio, capaz de envenenar a água de um orfanato, caso seu nome seja revelado”, toca num ponto nevrálgico do sistema de governo no país. Para funcionar, seja qual for o governo, é imprescindível que ele tenha maioria no Congresso Nacional. Como o modelo político vigente permite a eleição de parlamentares de partidos chamados “nanicos” (como é o caso do folclórico Prona do extraterrestre Enéias), cujo somatório de votos e, portanto, a representação popular, é insignificante, o que se tem é uma pulverização da representação parlamentar e a virtual impossibilidade de maiorias orgânicas.
O custo, portanto, de se conseguir maioria é altíssimo, tanto no que diz respeito à atenção do governo quanto ao inevitável fisiologismo que passa a reger boa parte da relação política governo x parlamento. Não é de se estranhar, então, que os escândalos brotem em profulsão e ganhem, dependendo da época e da importância das matérias submetidas à votação, as manchetes dos jornais.
Essa impossibilidade prática de constituir maiorias sólidas é agravada pelo que os especialistas chamam de “viés parlamentarista” da nossa constituição que se choca com o regime de governo presidencialista. De fato, quando da redação do capítulo do sistema de governo na Assembléia Constituinte, em 1988, havia uma espécie de consenso entre os parlamentares envolvidos de que o regime deveria ser parlamentarista. O próprio relator, o senador pelo Rio de Janeiro, Afonso Arinos de Melo Franco, era um histórico parlamentarista. Todavia, por uma manobra de última hora, terminou sendo aprovado o presidencialismo, sem que houvesse tempo de ajustar a tendência parlamentarista da constituição. O resultado foi um hibridismo que agrava a dificuldade de governar o país.
Se a esse problema de natureza estrutural junta-se um governo fragilizado, o resultado pode ser catastrófico, como já visto em outros países do continente.
“Infelizmente, com o passar do tempo, o governo Lula lembra cada vez mais um outro governo sul-americano de triste memória – o governo De la Rúa.”
Paulo Nogueira Batista Jr., FSP, 20.04.2004
O próprio Paulo Nogueira Batista, depois da comparação, faz uma ressalva importante e destaca que ainda há tempo para recuperação.
“Há tempo de evitar desastres e tomar o rumo certo. O Brasil de 2004 não é a Argentina de 2000 ou 2001.”
Paulo Nogueira Batista Jr., FSP, 20.04.2004
Para que isso aconteça, todavia, é necessário empenho e atenção redobrados para, além de dar conta do recado, ainda enfrentar essa espécie de defeito estrutural que é o sistema de governo híbrido, muito mais exigente para governos de coalizão com maiorias instáveis. A comparação com o governo de Fernando Henrique Cardoso dá uma idéia das dificuldades do governo atual. FHC, que tinha uma maioria mais forte, passou 8 anos negociando votação a votação no Congresso. Ainda há tempo, portanto, mas não muito.

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