Exercício da democracia

 
Conjuntura & Tendências já tratou do assunto no seu número 190, quando expôs o entendimento de que o Brasil é um país “condenado à democracia.” É importante, todavia, voltar ao tema nesta semana quando, em muitas cidades do país, estão se encerrando as campanhas para o segundo turno da eleição para prefeito.
Muito já se falou e se fala sobre democracia mas não é uma coisa simples de definir. Millôr Fernandes tem uma definição bem-humorada que vale a pena reproduzir.

“Democracia é eu mandar em você. Ditadura é você mandar em mim.”

Millôr Fernandes em “Millôr Definitivo – A Bíblia do Caos”, L&PM Editores, São Paulo, 1994

O próprio Millôr, parodiando Santo Agostinho em relação à definição do tempo, disse: “se ninguém me perguntar o que é democracia, eu sei. Mas se alguém me perguntar, eu não sei.” É atribuída ao estadista inglês Winston Churchill (1874-1965) o conceito de que a democracia é o pior regime político, excetuando-se todos os outros.
Tanto a brincadeira de Millôr, quanto a de Churchill chamam a atenção para o incômodo e para a dificuldade da prática democrática. Seja porque ela requer, inevitavelmente, a subordinação dos interesses individuais aos interesses da maioria (e, nesse caso, a maioria pode representar o “outro” que quer “mandar em mim”), seja porque ela, como toda construção social humana, é imperfeita e geradora de tensões.
Num país como o Brasil, então, de secular tradição autoritária e de tão graves desigualdades sociais, esses “defeitos de fabricação” funcionam como entraves ainda maiores para o exercício democrático na sociedade. Aqui é mais fácil confundir democracia com anarquia e autoridade com autoritarismo. E é preciso não esquecer que a autoridade é tão imprescindível à democracia quanto a arbitragem o é, por exemplo, numa competição esportiva. Sem ela, fica inviabilizada a disputa, justamente pela anarquia que se instalará inevitavelmente. Já o autoritarismo, é a hipertrofia maligna da autoridade, quando se tenta impor o interesse individual por sobre o interesse coletivo.
Mesmo com suas imperfeições, a democracia é o regime que se propõe, pelo exercício da autoridade legitimada, à permanente gestão dos conflitos de interesses da sociedade, de um modo que mantenha um espaço permanente para influência dos diversos segmentos que compõem o tecido social, mesmo que minoritários.
Talvez a definição mais oportuna seja, mesmo, a do ex-primeiro-ministro de Israel, Shimon Peres: “democracia não é só o direito de ser igual. É também o igual direito de ser diferente.” E, pode-se completar, de exercitar essa diferença pelo voto. Um voto cuja única exigência é que seja convictamente sério e conseqüente. Se for assim, independente da escolha, estará fortalecida a democracia. 

Assim como o mercado e a economia, o Conjuntura & Tendências também está mudando. AGUARDE.

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