Instalou-se na políticauma era antes e outra pós Covas

 

“Não posso, nem quero ficar parado. A hora que eu tiver que cair, caio com a certeza do dever cumprido.”

Mário Covas, 1930-2001, político brasileiro

Essa frase foi pronunciada pelo governador Mário Covas no dia 23.01.2001, enquanto visitava obras em cadeira de rodas, no dia seguinte ao pedido de licença do cargo para prosseguir o tratamento à base de quimioterapia contra o câncer que já lhe atacava a meninge, depois de ter começado na bexiga e reincidido no intestino.
Não é uma frase qualquer nem certamente foi dita para constar. Trata-se de uma frase cujo teor é em tudo coerente com a vida pública e, particularmente, com a forma como o governador enfrentou a doença desde o seu começo há mais de dois anos.
Num país onde a política muito freqüentemente tem sido sinônimo de falta de seriedade e a vida de muitos homens públicos são cercadas de escândalos e mistérios, Mário Covas deixa como legado três exemplos notáveis.
O primeiro exemplo foi sua carreira política retilínea, da qual se pode, até, discordar ideologicamente ou, mesmo, de certos pontos de vista ou posições manifestas, mas não se pode deixar de reconhecer a coerência e a seriedade acima de tudo.

“É muito mais fácil gastar o que não tem do que colocar a casa em ordem.â€?

Mário Covas, Folha de S. Paulo, 31.12.97

Depois de ter assumido uma unidade da Federação arrasada por administrações desastrosas, empreendeu um trabalho árduo de reconstrução da capacidade financeira e executiva estadual, tendo que pagar o custo do desgaste inicial provocado pela dificuldade de atender aos pleitos reivindicatórios. Enfrentou uma campanha  duríssima pela reeleição, tendo que ir ao segundo turno porque adotou a postura de não ceder ao populismo.
Por ironia do destino, caiu doente antes mesmo de tomar posse do seu segundo mandato e não pode, sequer, começar a colher os frutos do esforço fiscal que fez no primeiro mandato.
O segundo exemplo notável foi a transparência pública com que tratou a doença e seus desdobramentos. Entendia que sendo um governador de estado, tudo o que dizia respeito à sua saúde deveria ser de conhecimento público. Com base nesse entendimento, autorizou a divulgação de todos os detalhes de seu estado clínico, incluindo resultados de exames e prognósticos.
Uma situação peculiar num país onde, só para citar dois casos públicos, um ministro de estado (Petrônio Portela) morreu porque quis esconder um infarto com medo que a divulgação pudesse comprometer uma possível candidatura indireta à presidência da República e um presidente eleito (Tancredo Neves) escondeu uma diverticulite até ela transformar-se numa infecção que o levaria à morte antes da posse.
O terceiro exemplo notável foi a coragem e a altivez com que enfrentou a adversidade e suas conseqüências massacrantes. Em nenhum instante entregou os pontos e, mesmo em momentos críticos (quando teve dificuldade de concatenar o raciocínio no meio de um discurso ou quando não conseguiu ficar de pé depois de uma cerimônia, por exemplo), manteve a compostura e, até, por incrível que pareça, quase sempre, o bom humor.
Esses exemplos de Mário Covas já constituem um marco de referência na política nacional. Pelo menos no que diz respeito ao tratamento da questão da saúde dos homens públicos no país, talvez não seja exagero dizer que vai haver uma era antes e outra depois de Covas.
O Gestão Hoje estende essa homenagem a todos aqueles que, como Mário Covas, têm lutado com bravura contra a doença e os infortúnios da sorte.

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