No primeiro turno quem ganhoumesmo foi a democracia brasileira

 
Terminado o primeiro turno, a democracia brasileira dá um show de vitalidade e um exemplo tecnológico para o mundo: a maior eleição informatizada do planeta, com o fim da apuração total dos votos menos de 24 horas após o encerramento oficial da votação.
Com o resultado final e a confirmação da ida para o segundo turno dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra, materializa-se a principal vantagem do sistema de eleição por turnos: a oportunidade de se ter um verdadeiro debate de idéias e a confrontação explícita das propostas dos candidatos melhor avaliados pelos eleitores. Do ponto de vista político, há um ganho evidente e é pedagogicamente muito melhor para o eleitorado.
Do ponto de vista qualitativo houve, também, um avanço significativo. Não deixa de ser um privilégio para o Brasil poder ter um segundo turno com dois candidatos da estatura e da densidade política de Lula e de Serra, representantes legítimos dos dois partidos social-democratas brasileiros.
Trata-se de um avanço importantíssimo que não deve ser perdido de vista no segundo turno. Passada a fase onde a influência do marketing político é muito grande, os candidatos terão, agora, que dizer com clareza o que propõem. O “Lulinha paz e amor”, na expressão do próprio candidato, e o Serra candidato de si mesmo, descolado do governo, vão sair de cena e entrar o Lula oposição e suas propostas concretas para mudar a situação que condena e o Serra representante e continuador do governo ao qual serviu por oito anos.
O risco disso é a radicalização e as seqüelas no próximo governo, decorrentes de uma campanha “sangrenta” no segundo turno, o que seria muito ruim para o país. Todavia, mesmo correndo esse risco, os benefícios são bem maiores.
Embora seja muito difícil manter a serenidade analítica inalterada numa campanha eleitoral (afinal, todos têm os seus candidatos e não conseguem ficar completamente imunes a essa influência), é muito importante, para quem tem responsabilidade social e política, não embarcar no emocionalismo futebolístico – só meu time (candidato) presta; o outro é um desqualificado que deveria ser exterminado, banido da face da terra.
A complexidade social, política e econômica do país e do mundo não comportam mais simplificações desse tipo e requerem um enfrentamento capaz de reunir o máximo possível de forças convergentes para lidar com os complexos problemas reais. Provavelmente, não por acaso, na atual conjuntura política nacional, radicalismos à parte, são justamente o PT de Lula e o PSDB de Serra os partidos que têm maior convergência potencial e densidade política para uma aliança progressista, madura e necessária para o país.
Por isso, é legítimo torcer à distância e agir na proximidade para que a radicalização, inevitável no segundo turno, não resvale para a impossibilidade de aliança, seja formal ou informal, em 2003. As estaturas pessoais de Lula e Serra fazem ter esperança de que essa difícil conquista seja possível. Ambos sabem que, afinal, o Brasil precisa dela.
Em recente palestra na Sociedade Pernambucana de Planejamento Empresarial, dia 27.09.2002, o economista, pernambucano Sérgio Buarque, um dos maiores especialistas em cenários e prospecção estratégica no Brasil, fez a seguinte antecipação para o ano de 2003:

“2003 será difícil. Serra ou Lula tendem a ter um primeiro ano de governo muito parecido, marcado por uma gestão macroeconômica austera, baixo crescimento econômico, manutenção do superávit primário e inflação sob controle.”

Sérgio C. Buarque, SPPE, Recife, 27.09.2002

Com o segundo turno, temos a oportunidade de começar a construir um novo capítulo da história do Brasil. É preciso, apenas, que a disputa democrática e sadia não resvale para a baixaria e para a mesquinhez.

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