O Brasil "sai" da guerrabem melhor do que entrou

 
Terminada a guerra do Iraque e completados os primeiros 100 dias, o governo Lula dá a impressão de que saiu melhor do que entrou, tanto da guerra quanto da prova de fogo econômica a que se viu submetido quando da transição do poder no início do ano.
Na prática, o que aconteceu foi que o país, contrariando as projeções de antes do início da guerra, voltou a receber dinheiro de fora, quebrando o jejum iniciado no início do segundo semestre de 2002 quando alastrou-se na comunidade financeira internacional a suspeita, logo transformada em pânico pelo oportunismo, de que a oposição poderia ganhar a eleição e incluir o Brasil no “eixo do mal” latino-americano, junto com Cuba e Venezuela.
Os resultados foram o aumento do chamado risco-país do Brasil (que chegou à marca dos 2.500 pontos, abaixo apenas do da Argentina), a maior restrição de crédito externo da história do país (nem as linhas de curto prazo de financiamento das exportações foram renovadas) e a maxi-desvalorização do real em relação ao dólar (de mais de 50%, fazendo a moeda norte-americana chegar a ser cotada a R$ 4,00).
Com o dólar nas alturas, a inflação ameaçou sair do controle e os índices de preço ao consumidor ultrapassaram os 10%, enquanto os de preço no atacado ultrapassaram os 20% ao ano, arriscando jogar por terra todo o esforço de estabilização levado a efeito nos anos anteriores.
Agora, no mês de abril, a situação econômica, retratada por esses índices, reverteu-se de modo significativo. Retornaram as captações externas feitas por empresas, o risco-país caiu abaixo dos 900 pontos e o dólar voltou a ser cotado na casa dos R$ 3,00, numa tendência rumo à situação pré-histeria.
O que parece estar acontecendo é a convergência de alguns fatores que, inter-influenciados, ajudaram a instalar o quadro atual mais favorável.
Em primeiro lugar, o bom senso do governo Lula de, pelo menos no início, manter os acordos firmados pelo governo anterior em relação à política econômica como é o caso do superávit primário das contas públicas (que foi, inclusive, ampliado pelo governo atual), do sistema de metas de inflação e do câmbio flutuante. Além disso, avançou nas negociações sobre as reformas da previdência e tributária. Essa postura responsável em muito contribuiu para a consolidação da percepção externa de que o novo governo não iria cometer nenhuma das loucuras que, por ignorância e/ou maldade, lhe haviam antecipado.
Desfeita essa desconfiança inicial, dois outros fatores contribuíram para a retomada dos fluxos financeiros interrompidos no segundo semestre de 2002: as atraentes taxas internas de juros e a confirmação da solução “rápida” para a guerra movida pelos EUA contra o Iraque. Vale a pena lembrar que a nossa taxa básica de juros real (descontada a inflação) deve estar em torno de 15% ao ano, contra uma taxa básica norte-americana praticamente negativa.
Com os fluxos retomados, o dólar desvalorizou-se. Afinal, na condição de uma mercadoria como outra qualquer, o dólar está sujeito à velha lei da oferta e da procura (maior a abundância, menor o preço e vice-versa). O receio agora é que a desvalorização excessiva comprometa as exportações e, por conseguinte, o balanço de pagamentos.
O cuidado que se deve ter com toda essa nova onda de notícias “positivas” é em relação ao otimismo exagerado que ela pode provocar. A situação externa do país permanece demasiadamente vulnerável e, portanto, muitíssimo suscetível às oscilações e aos humores do mercado. Quando eles são bons, reagimos mais ou menos bem, quando eles são maus, reagimos muito mal.
Essa maré de bons fluidos pode muito bem ser substituída por outra de fluidos bem ruins se algum fato relevante negativo surgir inesperadamente. Vamos ficar todos torcendo para que não surja tão cedo.

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