O êxito inicial, a torta, e o risco desnecessário

 
Luiz Inácio Lula da Silva conclui seu primeiro mês à frente do Governo Federal com um saldo político positivo e a maior aprovação pessoal da história (83,6%, segundo pesquisa CNT/Sensus). No plano internacional, primeiro chefe de estado a ir aos dois fóruns mundiais, o Social de Porto Alegre e o Econômico de Davos, o presidente marcou presença com discursos bem recebidos. No plano nacional, depois da insólita “caravana da miséria”, lançou, com pompa e circunstância, o programa Fome Zero.
A presença internacional do presidente Lula tem surpreendido pelo acerto. Depois da delicada incursão na crise da Venezuela, o complemento da viagem a Davos, passando pela Alemanha e pela França (países que haviam, dias antes, condenado os EUA em relação à ofensiva contra o Iraque), reforçou a sintonia do discurso contra a inevitabilidade da fome e da guerra (ainda que não dito abertamente por questões de natureza diplomática). Nesse particular, fez lembrar o notável Josué de Castro, autor do famoso livro “Geografia da Fome” e patrono de todas as iniciativas sérias ligadas ao tema no Brasil.

“Fome e guerra não obedecem a qualquer lei natural, são criações humanas.”

Josué de Castro, 1908-1973, médico pernambucano

Internamente, o governo procurou pautar-se pela fórmula exposta por Palocci aos novos e inquietos parlamentares do PT, na sexta 01.02 (“tradicionalismo” na economia, “criatividade” nas políticas de desenvolvimento e “ousadia” no comércio exterior), de olho nos desdobramentos da escalada norte-americana contra Saddan Hussein. Declarada a guerra, o Brasil sofrerá com o aumento do preço do petróleo, com a valorização do dólar e com a instabilidade internacional subseqüente.
A propósito,  guerra é o principal “fato portador de futuro” no curto prazo para o país. A melhoria consistente do quadro econômico depende da guerra não ocorrer, o que, hoje, infelizmente, é uma hipótese remota.
Além da guerra, evento completamente fora da governabilidade brasileira, há outro fator que, pelo passado recente, preocupa em relação à atitude do presidente: a teimosia em colocar sua integridade física em risco no contato direto (verdadeiro corpo a corpo) com o povo.
O recente episódio da torta de morango jogada na cara de José Genoino deve servir de alerta. E se, como disse o comentarista Franklin Martins da Globonews, em vez de uma “pasteleira sem fronteiras”, a agressora fosse uma “pedreira sem fronteiras” ou uma “bombeira sem fronteiras”?  E se no lugar de Genoino estivesse o próprio presidente da República? Que bela imagem de um presidente submetido ao ridículo teriam todas as mídias do mundo.
Nunca é demais lembrar, como o fez recentemente um observador atento, que quem matou John Lennon foi um fã. Quem atirou em Ronald Reagan foi um louco, apaixonado pela atriz Jodie Foster, para mostrar-lhe do que seria capaz pelo seu amor.
Loucos e fanáticos estão por aí à solta, espreitado todas as oportunidades que lhes dêem seus 15 minutos de fama. Quem não se lembra do famoso “beijoqueiro”? E olhe que as vítimas dele procuravam não dar bobeira nem, muito menos, ficavam criando oportunidades…
Em qualquer regime e, sobretudo, num regime presidencialista do tipo do brasileiro, o presidente da República é uma instituição cuja mera investidura no cargo transforma-o num patrimônio da nação que não pode oferecer-se ao risco por “estilo” pessoal.
É de se esperar que a inteligência incomum do presidente e sua aguçadíssima intuição façam-no reconsiderar a postura de risco que tem adotado. Seu êxito político inicial e sua excepcional aprovação popular, ainda mais reforçam a necessidade de preservação da sua integridade física. Não é justo, nem para o próprio presidente nem para o país, submeter-nos todos ao risco de estresses perfeitamente evitáveis.

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