O que falta para dar certo

Nos dois números anteriores, o C&T, sob a influência das comemorações alusivas aos 500 anos do “achamento” do Brasil pelos portugueses, tratou do porquê de o país não ter, ainda, “dado certo” e apontou algumas razões para acreditar num futuro melhor. Neste número, terceiro e último dessa série, são relacionadas aquelas que parecem ser as “linhas mestras” do sucesso, o “caminho das pedras” em direção a um futuro menos injusto. Horácio Lafer Piva, presidente da Federação das Indústria do Estado de São Paulo, citou em artigo o que considera sejam os aspectos facilitadores do país para desenvolver-se:

“Temos um povo tranqüilo, sem pretensões hegemônicas, conflitos raciais ou problemas de fronteiras, com espaço e criatividade para crescer. Tranqüilidade política, sistema financeiro sólido, liderança no Mercosul. Isso sem falar dos postos de trabalho que poderiam ser abertos em construção civil, agricultura, turismo e infra-estrutura. Ativos importantes tangíveis e, principalmente, reconhecidos como tal.”

Horácio Lafer Piva

Todavia, esses fatores, bem como o potencial de desenvolvimento apontado no número anterior (maior reserva de terras agricultáveis do planeta, grande mercado interno e criatividade) não se materializam sem algumas condições indispensáveis. É do economista Roberto Campos a seguinte definição: “desenvolvimento se faz com riquezas artificiais, educação e tecnologia.” O sucesso do Japão se explica por aí (não possui em seu território uma grama de minério de ferro, nem uma gota de petróleo, a terra é pouca e ruim, nem água tem suficiente). Para o Brasil, as condições indispensáveis são:

1. ESTABILIDADE ECONÔMICA: Com inflação descontrolada, não há nenhuma condição de desenvolvimento sustentado. A inflação crônica de décadas, além de constituir-se num importante fator de incerteza, acentuou a concentração de renda ao fazer com que a maioria da população (que não tinha acesso a banco) perdesse diariamente poder aquisitivo com a desvalorização do dinheiro que carregava no bolso.

 

2. CRESCIMENTO DA ECONOMIA: a renda per capita do brasileiro situa-se na casa dos US$ 4 mil, contra US$ 8 mil na Argentina, US$ 10 mil em Portugal, US$ 14 mil na Espanha, US$ 20 mil na Itália, US$ 26 mil na França e US$ 28 mil dos EUA. Por aí se vê o quanto ainda é preciso crescer para atingir um patamar aceitável de renda média.

 

3. DISTRIBUIÇÃO DA RENDA: segundo o economista Luiz Carlos Bresser Pereira, a população brasileira (que, pelo tamanho, faz do Brasil o maior país latino do mundo) divide-se em Classe Superior (1%), Classe Média-Superior (2%), Classe Média-Média (6%), Classe Média-Inferior (18%) e Classe Pobre (73%). Como desenvolver um mercado interno forte com 73% de pobres?

 

4. REFORMA AGR�RIA: apesar de termos 500 anos de latifúndio, Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda pode usar a terra improdutiva como fator de estabilização social e de distribuição de renda. Todavia, a expressiva movimentação social em curso, por falta de tratamento competente, ao invés de facilitar a correção das desigualdades, corre o risco crescente de descambar, de todo, para a radicalização e para a violência.

 

5. EDUCAÇÃO: apesar dos avanços recentes, o número de docentes por aluno, sem considerar qualidade, na educação primária no Brasil é de 1/23, contra 1/12 em Portugal e 1/11 na Itália. A taxa de matrícula universitária (percentual da população matriculada em relação à população total em idade de se matricular) é de 11%, contra 34% em Portugal, 46% na Espanha, 50% na França e 81% nos EUA.

Essas evidências praticamente exigem de todos os que têm preocupação com o destino do país, de suas empresas, de suas famílias, uma ação social responsável, uma vigilância sem tréguas e uma cobrança política implacável. Um futuro menos sombrio depende disso.

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