Para além do imponderável

Aconteceu o que mais se temia desde a crise dos tigres asiáticos em outubro de 1997: o Brasil transformou-se na “bola da vez” do instável mercado financeiro internacional. Desde a quebra da Rússia em agosto, até o fechamento do mercado na semana passada, o país sofreu uma perda de reservas cambiais da ordem US$ 22 bilhões (o equivalente ao arrecadado com a privatização do Sistema Telebrás), reduzindo o estoque para US$ 52 bilhões, o mesmo piso mínimo atingindo no auge da crise asiática.
Na quinta-feira 10.09.98, já considerado o pior dia da era do Real, 48 horas depois de um pacote fiscal avaliado como tímido pelo mercado, a Bolsa de São Paulo atingiu a queda recorde de 15,82% (a maior desde do Plano Collor) e efetuou-se uma saída de US$ 2 bilhões do país. Diante disso, o Banco Central acrescentou mais vinte pontos percentuais à taxa básica de juros (já tinha acrescentado dez, seis dias antes), elevando-a para 49,75% ao ano, mais de seis pontos superior à máxima atingida em meio à crise da Ásia.
Na sexta-feira 11.09.98, a Bolsa teve sua maior alta diária desde 10.03.95 (13,30%) mas constatou-se, ainda, uma saída de dólares estimada em US$ 1,3 bilhões. O que vai acontecer, daqui para frente, no curto prazo do mercado financeiro ainda é uma incógnita. Entretanto, já se começa a vislumbrar o médio prazo e o que se vê não é bom.
A oferta de crédito internacional, componente-chave da política de estabilização implantada pelo Plano Real, sofreu um estrangulamento acentuadíssimo depois da quebra da Rússia. Isso traz severas repercussões para o Brasil e significa, na prática, uma mudança certamente radical do modelo adotado.
As chances do país escapar de uma recessão em 99 são remotas por três razões principais: (1) os juros altos desestimulam os investimentos produtivos; (2) o inevitável ajuste fiscal reduz os gastos do governo e restringe os investimentos públicos; (3) esta crise não se resolve para o Brasil sem uma ajuda internacional que, independente da modalidade, exigirá em contrapartida ajustes bastantes restritivos ao crescimento econômico para conter o déficit fiscal e o déficit externo.
Este cenário mais provável será mais ou menos exigente, dependendo da solução que se conseguir para o ataque de que está sendo vítima o país há um mês, considerando-se que a munição do arsenal monetário está se esgotando, restando quase que apenas, como medida extrema, mexer na política cambial.
Às vésperas da eleição, o país precisa de firmeza do governo. Depois dos resultados, quaisquer que sejam, será preciso, entretanto, usando uma expressão do governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque (coluna “Coisas da Política”, Dora Kramer, Jornal do Brasil, 04.09.98), “mergulhar fundo no problema brasileiro“. Ele sugere a convocação de gente que considera talhada para a tarefa, formando um arco ideológico variado (“acho que o Celso Furtado, o Rubens Recúpero e o Delfim Netto estão perfeitamente aparelhados para isso”).
Trata-se do futuro de todos nós e isso exige um debate sério que permita produzir soluções capazes de ir além da visão monetária e/ou maniqueista e do movimento stop and go que tem empobrecido drasticamente a discussão sobre os destinos do país e de sua gente.
Estamos a um passo do imponderável e não é hora para indecisões ou mesquinhez. É hora de pensar e agir com grandeza e coragem, olhando o futuro, sem esquecer a prudência e a seriedade no presente.

“… governar um país que precisa de desenvolvimento e empregos não é o mesmo que administrar uma tesouraria.”

Ricardo Young, coordenador geral do PNBE, Folha de São Paulo, 12.09.98

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