Que a eleição de Lula seja,de fato, o prenúncio de um país melhor

 
Concluída a maior eleição da história brasileira, Luiz Inácio Lula da Silva chega à Presidência da República, no dia do seu aniversário de 57 anos, pilotando a mais forte manifestação popular por mudanças no Brasil desde o movimento Diretas Já, em 1984.
Primeiro pernambucano eleito presidente, Lula chega ao cargo marcado por outros pioneirismos. Será também o primeiro operário e o primeiro civil sem diploma universitário a sentar na cadeira presidencial. Com esse feito, coroa uma impressionante trajetória de vida que começou na área rural da cidade de Garanhuns, passou pela viagem de retirante aos 5 anos em direção a São Paulo, pelo trabalho infantil de engraxate e tintureiro, pela formatura de torneiro mecânico no Senai, pela profissão de metalúrgico, pela vida de sindicalista no ABC paulista, pela prisão no Dops, pela fundação e presidência do PT, pela eleição como deputado constituinte mais votado, pela candidatura ao governo de São Paulo e por quatro candidaturas à Presidência da República.
A esse propósito, merece ser reproduzida a visionária poesia do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, datada de 1926, anterior à própria publicação do clássico Casa Grande & Senzala, que circulou no Recife entre o primeiro e o segundo turno:

“Eu ouço as vozes / eu vejo as cores/ eu sinto os passos / de outro Brasil que vem aí / mais tropical / mais fraternal / mais brasileiro. / (…) / Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil / lenhador / lavrador / pescador / vaqueiro / marinheiro / funileiro / carpinteiro / contanto que seja digno do governo do Brasil / que tenha olhos para ver pelo Brasil / ouvidos para ouvir pelo Brasil / coragem de morrer pelo Brasil / ânimo para viver pelo Brasil / mãos para agir pelo Brasil. / (…)/ Mãos brasileiras / brancas, morenas, pretas, pardas / roxas / tropicais / sindicais / fraternais. / Eu ouço as vozes/ eu vejo as cores / eu sinto os passos / desse Brasil que vem aí.”

Gilberto Freyre, Talvez Poesia, 1926

Como se todo esse pioneirismo não bastasse, Lula, com os mais de 52 milhões de votos que recebeu no segundo turno, transforma-se num dos candidatos mais votados da história da humanidade (Ronald Reagan teve 55 milhões, George W. Bush 50,4 milhões, Bill Clinton 47,4 milhões, Vladimir Putin 39,7 milhões e Fernando Henrique 35 milhões em 1998).
Todos esses votos e a carga de esperança que os trouxe, conferem ao novo presidente, também, uma responsabilidade sem precedentes na história recente do país. O recado das urnas parece claro: a etapa da estabilização da economia e da consolidação do real, pedra de toque das duas campanhas de Fernando Henrique Cardoso, está vencida. Agora, o que se parece exigir é, preservadas as conquistas macroeconômicas, mais emprego, mais segurança, mais desenvolvimento, menos desigualdade social.
Caberá a Lula lidar com toda essa carga de expectativa e aproveitar a grande mobilização conseguida como energia para fazer o país avançar, administrando as eventuais frustrações em face dos limites da realidade. No discurso que pronunciou na Avenida Paulista, em comemoração à vitória, na madrugada da segunda-feira, Lula parece dar uma pista de que tem consciência disso:

“Até agora as coisas foram fáceis. Daqui para frente é que vão ficar difíceis.”

Luiz Inácio Lula da Silva, 28.10.2002

Tomara que essa consciência prevaleça e que Lula, iluminado pelas palavras proféticas de Gilberto Freyre, tenha força para guiar sua ação e a do PT na direção em que a população aponta, com competência e sem concessão às demandas impossíveis. E que, de fato, a esperança vença o medo. A nação espera por isso.

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