A difícil busca por um Judiciário ágil, eficiente e probo

 
Na edição anterior foi destacada a observação mais do que pertinente do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de que é impossível que haja justiça social (marca essencial do governo Lula) sem uma reforma que transforme a Justiça brasileira num sistema capaz, de fato, de fazer justiça, como em todos os países desenvolvidos do mundo.
A esse respeito, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato, escreveu um artigo (Folha de S. Paulo, 31.12.2002) em que, a propósito de recentes denúncias envolvendo um deputado federal que teria atuado como intermediário junto a integrantes do Poder Judiciário (do STJ, inclusive) para concessão de habeas corpus a traficantes, é enfático:

“A Justiça é o pilar fundamental de um Estado democrático de Direito. É o único poder que, por sua neutralidade, tem competência para manter o equilíbrio nas relações entre cidadãos e entre estes e os agentes públicos. É por intermédio de um Judiciário ágil, eficiente e probo que se caminha na certeza de um povo civilizado, entre o qual a corrupção, a impunidade, a violação dos direitos não prevalecem e são, permanente e exaustivamente, combatidos.”

Rubens Approbato Machado, presidente da OAB

Transformar a Justiça brasileira num efetivo instrumento de consolidação da cidadania democrática e em derradeira guardiã da justiça social é uma das tarefas mais árduas e necessárias que a sociedade brasileira terá que enfrentar no início do século que se inicia e que, em boa hora, o governo Lula encampa.
A tarefa é gigantesca, sobretudo, porque as raízes do péssimo funcionamento da Justiça brasileira estão fincadas no terreno irrigado pelos centenários privilégios de classe de uma sociedade singularmente excludente.
Em recente entrevista à Folha de S. Paulo (30.12.2002), o historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Manolo Florentino fez um comentário interessantíssimo, recuperando uma tese do geógrafo Milton Santos, que merece ser reproduzido:

“Milton Santos, antes de morrer, lançou uma tese que me pareceu genial. Ele diz que, no Brasil, só os pobres são cidadãos. As classes médias e as elites não são. Porque elas buscam viver por meio de privilégios. A busca desse privilégio, de certo modo a busca por viver fora da cidadania, é um requinte de permanência cultural muito forte de uma sociedade que secularmente se reproduz por meio da exclusão. (…) A gente quer transformar o pobre em cidadão, e a tese de Milton diz oposto: quem tem que se transformar em cidadãos são as classes médias e as elites.”

Manolo Florentino, professor da UFRJ

Por aí se tem uma idéia de como será difícil a necessária reforma da Justiça. Há uma parcela significativa da sociedade que tende a não querê-la para não perder os privilégios que tem. Contraditoriamente, porém, uma boa parte desse segmento da sociedade votou no presidente Lula na esperança de que algo seja feito para impedir que, sob o peso secular da exclusão, a barbárie se instale definitivamente entre nós.
Há quem defenda a tese de que são, justamente, as contradições que fazem os processos avançarem. A reforma da Previdência, a primeira da lista do governo, que o diga. Pelo sim, pelo não, é de fundamental importância que todos aqueles que compreendem a necessidade dessas mudanças fiquem atentos a seus desdobramentos para, sempre que possível, cobrarem seu efetivo avanço.