O presidente Lula conseguirá resistir à tentação do sebastianismo?

 
Amainada um pouco a euforia decorrente da grande vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, começam a ficar evidentes alguns aspectos importantes do fenômeno ocorrido que recomendam um pouco de reflexão para iluminar as projeções do que pode vir a ocorrer no futuro.
A mais recente pesquisa do Instituto Sensus, por encomenda da CNT (Confederação Nacional dos Transportes), aponta alguns resultados reveladores. As principais razões alegadas para o voto em Lula foram porque: (1) ele “tem sensibilidade para os problemas” (34,0%); (2) ele “tem capacidade para montar boa equipe” (22,4%); (3) “gosto dele como pessoa” (13,7%); (4) ele é “contra o governo Fernando Henrique” (12,2%).
Por esses resultados depreende-se que mais de 70% dos eleitores votaram no candidato Lula por suas qualidades pessoais (inclusive de ser capaz de formar um “time” bom de “jogo”) ou por razões afetivas (“gosto dele”). Não votaram em propostas partidárias ou contra o governo FHC. Ao que parece, votaram em alguém capaz de promover os avanços de que o governo FHC não foi capaz.
É importante notar que esse voto pessoal e afetivo fixou-se em Lula depois de “passear” pelas candidaturas Roseana Sarney, Ciro Gomes e, até, Antony Garotinho. Antes de ter a candidatura “detonada” pelo escândalo Lunus, Rosena conseguia, segundo as pesquisas de opinião da época, vencer Lula no primeiro e no segundo turno. O mesmo ocorreu com Ciro, antes das desastradas declarações que o fizeram parecer, ainda mais, com uma nova versão de Collor e cair em desgraça com o eleitorado (ele chegou a ficar tecnicamente empatado com Lula no primeiro e a vencer nas projeções para o segundo turno).
A “fixação” do voto em Lula deu-se, sobretudo, no último mês de campanha, o que o fez quase ganhar no primeiro turno e conseguir a consagradora votação do segundo turno.  Essa trajetória mostra que Lula tornou-se depositário de uma esperança “circulante” que se fixou nele firmemente mas que traz, além do forte componente emocional, uma carga de “salvacionismo” bastante acentuada que vai requerer muita habilidade para evitar que se reverta em desilusão e, em seguida, em rejeição.
É fundamental que estejamos atentos a essa forte demanda salvacionista que a sociedade brasileira, herdeira que é do imaginário ibérico e, mais especificamente, do português, alimenta desde as suas mais remotas origens.
Essa demanda eterna por “salvadores da pátria” tem até um nome: sebastianismo. Ou seja, a crença ancestral, culturalmente arraigada mas modernamente encoberta, na ressurreição redentora de D. Sebastião (1554-1578), jovem monarca português, desaparecido nas areias do atual Marrocos, durante a batalha de Alcácer Quibir contra ou mouros. Por não ter descendentes, D. Sebastião deixou Portugal sem herdeiros ao trono que terminou usurpado pela Espanha. Essa “orfandade” nacional acabou por fortalecer a crença messiânica no retorno do rei desaparecido para libertar seu povo oprimido e transferiu-se, com o colonizador, para o novo mundo.
O presidente eleito tem dito (e já praticado nas suas saídas à rua) que fará uma presidência diferente e governará junto ao povo. Nada de mais, se conseguir garantir duas coisas. Primeiro, que a figura do presidente seja preservada na sua integridade física e institucional. Recentemente, ele quase caiu no espelho d’água do Palácio do Planalto ao saldar os simpatizantes frenéticos que foram acompanhar sua primeira visita como presidente eleito ao presidente em exercício Fernando Henrique. Seria um vexame, e uma metáfora, cair e encharcar-se d’água por responder à pressão do frenesi.
Em segundo lugar, se conseguir evitar, também, cair na tentação do populismo (velho expediente político brasileiro de resposta à demanda sebastianista). Precisamos de um presidente que, a exemplo de FHC, deixe o país melhor do que encontrou. Um populista, ainda que mais à esquerda, não conseguirá.

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