Carnaval, terrorismo e o inícioda ação correta contra o crime organizado

 
É impressionante como em época de carnaval o país praticamente todo pára formalmente de funcionar, seja para brincar, seja para descansar. Nessas proporções (praticamente uma semana de feriados), talvez seja algo sem similar no mundo, pelo menos no nível de intensidade que ocorre por aqui.
Porque isso acontece não se sabe direito. Por certo tem a ver com a forma como o povo foi formado  e como a cultura forjada ao longo dos nossos 500 anos de história. Não é à toa que a maior animação conjuga-se com a maior tradição nas cidades mais antigas do país: Recife/Olinda, Salvador e Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro, inclusive, com visibilidade mundial como uma espécie de capital da folia, onde ocorre o famoso desfile das escolas de samba, auto-intitulado “o maior show da terraâ€?. Milhares de turistas, de dentro e de fora do país, acorrem à cidade para ver de perto o espetáculo ou simplesmente para experimentar a satisfação de estar no Rio enquanto se desenrola a folia.
Pois não foi, justamente, no Rio de Janeiro, na semana pré-carnavalesca, que o chamado “crime organizadoâ€? promoveu uma série de atentados com o intuito de amedrontar a sociedade e chamar a atenção para a sua “causaâ€??
Numa ousadia sem limites e algo suicida, a bandidagem ligada ao tráfico de drogas, extrapolou a contravenção habitual e a prática de seus “negóciosâ€? criminosos para organizar e executar um conjunto de ações de cunho “terroristaâ€?, nunca antes observadas, pelo menos na magnitude executada.
Ônibus incendiados, “toques de recolherâ€? decretados por “comandosâ€?, coquetéis molotoves, granadas roubadas das forças armadas, assassinatos e outros expedientes terroristas foram praticados por toda a cidade, numa amplitude difícil de acreditar.
Em reação, o governo federal, de comum acordo com o governo estadual, providenciou imediatamente a transferência para um presídio de segurança máxima em São Paulo daquele que foi tido como o mandante dos atos praticados no Rio. Além disso,  capitaneou a intervenção de forças federais para reforçar a segurança da cidade, pelos menos durante o carnaval.
Esse episódio, pelo que tem de descabido e ousado, pode funcionar como marco para uma ampla tomada de consciência e para a mudança de postura diante de um problema de tamanha gravidade.
Luiz Eduardo Soares, antropólogo carioca e atual secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, talvez o mais criativo especialista no tema da atualidade, registra o seguinte comentário, em recente artigo sobre a questão:

“A tese mais original da nova política de segurança propõe a combinação de ações em duas frentes: social e policial. Não basta aumentar a eficiência das polícias, livrá-las da corrupção, torná-las menos brutais e racistas e fazê-las respeitar os direitos humanos, se os jovens sem perspectiva e esperança continuam a ser recrutados pelo tráfico e pelo crime. Por isso, simultaneamente ao esforço sem paralelo na esfera das reformas policiais, é necessário agir sobre as causas imediatas, já que as transformações estruturais exigem longo tempo de maturação.”

Luiz Eduardo Soares, Folha de S. Paulo, 24.02.2003

No artigo ele chega a dizer que é preciso “disputar menino a menino com o tráfico e o crime â€?. A questão é grave, gravíssima, mesmo. Todavia, por mais estranho que pareça, a recente demonstração de força da contravenção pode ter sido o ponto de inflexão da curva, pelo menos no que diz respeito à tomada de consciência pelo governo federal. Não se pode falar em avanço social com a sociedade acuada pelo crime.

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