O mínimo que se pode dizer do sociólogo italiano Domenico De Masi, teórico do ócio criativo, é que é um personagem controverso. Defende fervorosamente a diminuição da carga horária de trabalho para que as pessoas possam ter mais tempo livre e dedicá-lo à prática do ócio mas dorme somente três ou quatro horas por noite dando conta dos compromissos assumidos. Faz uma defesa apaixonada do tempo livre mas parece se indignar quando é acusado de defender que se fique de “pernas para o ar”, sem fazer nada.
Sua teoria, original e polêmica, pode ser conferida no interessante livro “O Ócio Criativo” (Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2000). De fácil leitura e agradável, o livro é, na verdade, um entrevista dada à jornalista Maria Serena Palieri que define do seguinte modo o cerne da argumentação de De Masi:
“O futuro pertence a quem souber libertar-se da idéia tradicional de trabalho como obrigação e for capaz de apostar numa mistura de atividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre e o estudo. Enfim, o futuro é de quem exercitará o ‘ócio criativo’.”
Maria Serena Palieri, jornalista italiana
A teoria não é simples como pode parecer à primeira vista e não serve de reforço ao argumento daqueles que procuram justificativa para trabalhar menos do que deveriam e confundem qualidade do lazer com quantidade de horas de lazer. Na prática, De Masi, ao propor a quebra da fronteira entre trabalho e tempo livre até reforça a importância do trabalho, conferindo-lhe um papel muito mais lúdico e estimulante do que lhe é atribuído por nossa cultura tradicional.
“A sua nova sabedoria exige que em cada ação estejam presentes trabalho, jogo e aprendizado. Quando dá uma aula ou uma entrevista, quando assiste a um filme ou discute animadamente com amigos, deve sempre existir a criação de um valor e, junto com isso, divertimento e formação.”
Maria Serena Palieri
Surpreendentemente, De Masi, quando perguntado no final do livro onde sua teoria desembarcaria em melhores condições de florescer, responde sem titubear: “no Brasil”, justificando do seguinte modo:
“Em nenhum país do mundo a sensualidade, a oralidade, a alegria e a ‘inclusividade’ conseguem conviver numa síntese tão incandescente. (…) Todas essas coisas se tornam leves graças a uma disponibilidade perene e uma alegria natural, expressa através do corpo, da musicalidade e da dança.”
Domenico De Masi
É, no mínimo, curiosa essa constatação de De Masi. Os azares da História não nos permitiram o preparo para o trabalho nos moldes em que triunfou na modernidade e no mundo chamado “desenvolvido”. Todavia, estaríamos singularmente preparados para tomar a dianteira na pós-modernidade, na era do ócio criativo.
Em 1971, Nelson Pereira dos Santos, nosso maior cineasta vivo, fez o interessantíssimo filme “Como Era Gostoso o Meu Francês”, falado em tupi e legendado em português (vale a pena ver!). Hoje, poderia fazer um com o título “Como é Curioso o Meu Brasil”.