Depois que a situação da economia parecia melhorar, afastando os temores mais apocalípticos produzidos nos últimos meses, depois que a CPI dos Bancos parecia rumar por um caminho menos espalhafatoso e mais conseqüente, o presidente aparece envolvido em telefonemas comprometedores e mais uma crise se superpõe à outra, paralisando tudo.
Confirma-se, também nesse episódio, uma “coincidência” que vem se repetindo desde antes mesmo do início do primeiro mandato com a eclosão da crise do México, em dezembro de 1994, que obrigou a mudança do rumo que havia sido traçado para a economia. Sempre aparece uma crise, seja externa ou interna, para impedir que o governo decole.
Fernando Henrique Cardoso já conquistou seu lugar na história do Brasil como o presidente que provou ao país ser possível viver numa economia estável. Esse mérito ninguém lhe tira. Mesmo que a inflação, por algum azar do destino, mostrasse de novo sua cara, a população, porque já provou durante mais de cinco anos os grandes benefícios de sua ausência, só manteria no poder pelo voto o dirigente que estivesse comprometido com a manutenção da estabilidade monetária.
Mas, justamente por ter logrado esse feito notável, as expectativas em relação ao presidente eram e são maiores. Logo após a estabilização, precisamos, muito, de retomar o desenvolvimento econômico seguro. Precisamos de rumos consistentes, de empregos, de saúde, de educação, de um futuro de país em que acreditar. E isso, o presidente não consegue garantir. Enrosca-se em crise após crise e se vê cada vez mais paralisado em meio à complicada rede de interesses que deixou armar-se à sua volta.
A inércia do governo chega ao cúmulo, nesse início de segundo mandato, de deixar que se deflagre a disputa sucessória com pelos menos três anos de antecedência. Toda essa história de grampos telefônicos veio à tona porque o PSDB assumiu a presidência da comissão da Reforma Tributária e começou a ganhar a atenção da mídia; Antônio Carlos Magalhães, para não deixar o PFL e sua própria candidatura para atrás, criou a CPI do Judiciário; o PMDB não perdeu tempo e criou a CPI dos Bancos; o PSDB contra-atacou com a eleição de Luiz Carlos Mendonça de Barros para a sua vice-presidência de economia. Mendonça de Barros, como é de seu feitio, meteu logo a boca no trombone, atacando a política econômica do governo e o ministro Malan, apoiado pelo PFL. Resultado: como Mendonça tinha o rabo preso em algumas fitas cassete, despejaram o resto da coleção em cima dele e respingou no presidente. É muita trama para pouco governo. Ou melhor, é o pouco governo que permite a muita trama.
Os grandes temas nacionais ficam a reboque da disputa sucessória e de todo tipo de deformação informativa, a ponto de se comparar Fernando Henrique com Fernando Collor e se disseminar de forma subliminar que “todo político calça 40.” Trata-se de uma generalização grosseira e inconseqüente que só faz desservir à democracia no país.
Como o Brasil é paradoxal, é possível até que a economia continue convalescendo e melhorando, apesar de todo este tiroteio. Mas ficará faltando a segunda fase, a do desenvolvimento, se o presidente não encontrar um atalho em meio ao cipoal para tomar as rédeas do governo e fazer o que todos ainda têm o direito de esperar do seu governo: garantir a estabilidade e recolocar o país num rumo de esperança.
A história não se adia e não é justo com o país um governo paralisado, que não decola.