Empobrecidos em dólar

 
Um ano depois da flutuação do dólar em janeiro/99, a desvalorização cambial que se seguiu mostra o resultado acumulado de seus efeitos sobre a economia. O PIB (a soma das riquezas produzidas) do Brasil, calculado em dólar, sofreu uma redução drástica de 28,48%. Passou de US$ 776 bilhões em 98 para US$ 555 bilhões em 99.
Com isso, a economia brasileira, classificada como a 8ª do mundo em 98, passa a ser a 10ª no final de 99, atrás do Canadá e da Espanha, conforme ilustra o gráfico publicado pela Folha de S. Paulo (18.01.2000).
Isso que aconteceu com o PIB, reproduziu-se na realidade das empresas brasileiras. Raras foram as que conseguiram crescer seus faturamentos em real e raríssimas as que o fizeram em dólar (as que conseguiram essa façanha tiveram crescimento real superior aos 28,48% da desvalorização), num ano em que a economia do país, calculada em real, teve crescimento próximo de zero.
O empobrecimento em dólar é uma realidade da qual não se pode fugir, inclusive no que diz respeito ao valor de venda das empresas que ficam mais baratas. Com a desvalorização do real, ficou mais fácil a compra de empresas nacionais por empresas estrangeiras detentoras de moeda forte. O exemplo de repercussão nacional mais recente é a compra, na semana passada, do banco Bozano, Simonsen pelo espanhol Santander por US$ 1,5 bilhão. O volume de investimento estrangeiro direto vem, inclusive, aumentando ao longo dos anos no país. Passou de cerca de US$ 2 bilhões em 1994 para uma entrada recorde de US$ 30 bilhões no ano passado, transformando o Brasil num dos principais destinos de investimento direto do mundo. Claro que boa parte desse montante foi destinado às privatizações mas não se explica só por isso. Dois outros componentes são importantes: o valor baixo em dólar das empresas nacionais e as perspectivas, no médio prazo, de crescimento do mercado consumidor brasileiro.
Além dessas constatações, relacionadas à economia “tradicional”, vale a pena atentar para um aspecto surpreendente da “nova” economia, também chamada de “digital.” A recém-nascida empresa decorrente da megafusão da AOL com a Time Warner (ver C&T número 257) tem um valor de mercado estimado em US$ 350 bilhões, quase do tamanho das economias do México (US$ 417 bilhões) e da Argentina (US$ 391 bilhões), respectivamente a 2ª e a 3ª da América Latina. A Microsoft tem valor estimado pelo mercado (o maior do mundo para uma empresa) de US$ 580 bilhões, mais do que o PIB do Brasil em 99. Dá para entender? Estejam superavaliados como estiverem esses valores, como pode uma empresa que praticamente não tem ativos físicos valer mais que a soma de tudo o que é produzido num país do tamanho do Brasil durante um ano? É uma questão para refletir pois aponta para um modo diferente de considerar “valores” no mundo dos negócios. O futuro próximo ajudará a entender mais esse dilema.

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