Vontade da maioria na Câmaraexpõe fragilidade da democracia no Brasil


A grande derrota do governo na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, quando Severino Cavalcanti (PP/PE) venceu o candidato da situação Luiz Eduardo Greenhalgh (PT/SP), no segundo turno, por desmoralizantes 300 votos a 195, chama a atenção, dentre outras, para duas questões importantes: (1) ao contrário do que faz crer a cobertura padrão da mídia, o que houve não foi a vitória de uma minoria, o “baixo clero”, apoiada circunstancialmente pelos descontentes com o governo mas, sim, uma vitória da maioria da Câmara; e (2) a fragilidade desconcertante dos partidos políticos, exposta ao vivo e a cores, antes e depois do processo eleitoral.
De acordo com o colunista do Jornal do Commercio do Recife, Inaldo Sampaio, citando o ex-deputado e ex-primeiro secretário da Câmara, Fernando Lyra:
“Pela 1a. vez na história da Casa a maioria fez o presidente: Severino Cavalcanti. Antes, os presidentes eram escolhidos pelas cúpulas dos partidos, cabendo ao restante dos deputados, que constituem o ‘baixo clero’, apenas o direito de votar.”
Inaldo Sampaio, Jornal do Commercio, 20.02.2005
Inaldo continua sua argumentação citando os “10 Mandamentos do Baixo Clero”, publicados pelo Estado de S. Paulo: (1) não ter o nome freqüentemente publicado na imprensa; (2) brigar pela liberação de emendas ao Orçamento da União; (3) participar de comissões sem muita visibilidade, mas de grande retorno eleitoral; (4) apresentar projetos que beneficiem quase sempre os seus municípios; (5) fazer discursos nas sessões vazias das segundas e sextas-feiras para aparecer na TV Câmara; (6) virar papagaio de pirata do presidente; (7) entregar discursos, por escrito, de terça a quinta, dando-os como lidos, para aparecerem na Voz do Brasil; (8) barganhar o voto na véspera da votação de projetos importantes; (9) passar boa parte do tempo nos ministérios e não na Câmara; (10) brigar por uma suplência na mesa diretora.
Por fim, chega à seguinte conclusão: dos 513 deputados, há, pelo menos, 400 que se encaixam muito bem neste perfil. Um perfil de “vereador federal”.
A outra questão importante que a eleição trouxe para a mídia foi o desconcertante troca-troca de partidos protagonizado por uma grande quantidade de parlamentares. Na atual legislatura, 132 dos 513 deputados já trocaram de partido. Ou seja, um em cada quatro, com o agravante de casos de deputados que chegaram a trocar de partido quatro vezes, alguns deles mais de uma vez no mesmo dia. Durante o recente processo eleitoral da mesa da Câmara, a média foi de duas trocas por dia, a maioria delas incentivada pelo próprio governo.
“O governo transformou o parlamentar em um telefone de cartão pré-pago. Mandato é quase um bem negociado em mercado de futuros.”
Roberto Freire, deputado do PPS/PE
Trata-se, evidentemente, de um absurdo, fruto do desprezo ao qual estão relegados os partidos políticos no país e de uma legislação frouxa e inadequada que está a requerer aperfeiçoamentos urgentes.
“Há muitos aspectos relevantes no debate sobre a reforma política. Um deles, no entanto, o da infidelidade partidária, é básico, e deveria ser enfrentado o quanto antes com um princípio simples e draconiano: um político só poderia apresentar-se em eleições caso estivesse filiado à legenda durante os quatro anos anteriores à realização do pleito.”
Editorial, Folha de S. Paulo, 19.02.2005
Nenhuma democracia sobrevive sem partidos fortes e respeitados, por isso o que está acontecendo é um atentado à estabilidade do regime democrático no Brasil.

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