Um país amedrontado

A transmissão ao vivo para todo o Brasil do estúpido seqüestro de um ônibus no Rio de Janeiro que culminou com a morte da refém inocente e do seqüestrador culpado expõe toda a dramaticidade do estado de insegurança em que vive o país e coloca questões importantíssimas para reflexão.
Em primeiro lugar, a evidência de que a situação, de fato, fugiu do controle das autoridades e de que não há solução fácil para o grave problema que passou a afligir, de forma intensa, todos nós, independentemente de classe ou posição social. A questão há muito deixou de ser um caso de polícia (que, aliás, demonstrou no episódio um despreparo alarmante) e passou a ser um problema social de proporções gigantescas cujas raízes profundas estão fincadas na explosiva distribuição da renda no país. Essa mesma que nos concede o triste título de campeão mundial da desigualdade social. A grosso modo, a distribuição da renda no país mostra o perfil do quadro abaixo (os 10% mais ricos detém cerca de 50% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres detém cerca de 10%):

Estima-se que cerca de 1/3 da população vive abaixo da considerada “linha de pobreza”, com renda per capita de menos de US$ 2,00 ao dia, sem acesso aos cuidados sociais mínimos e elementares. Isso é uma verdadeira “usina” de desajuste social e de produção de insegurança. As pesquisas e os documentários mostram que para cada traficante preso ou morto, por exemplo, pela polícia nos morros do Rio, existe um “exército de reserva” de adolescentes esperando na fila para ocupar a “vaga” aberta. Por isso que, por melhor e mais aparelhada que seja a polícia (e numa sociedade democrática como merecemos ser a polícia não pode deixar de ser boa e aparelhada), ela não dá mais conta da realidade. Aliás, no governo Itamar Franco, até o exército foi chamado a intervir nos morros do Rio e teve de amargar a decepção de voltar para os quartéis sem ter conseguido nada de significativo.
No recente encontro dos presidentes latino-americanos do chamado “Grupo do Rio”, em Cartagena das Ã?ndias na Colômbia, do qual participou o presidente Fernando Henrique, o presidente da Venezuela foi enfático na caracterização do problema:

“A principal nuvem negra que enfrentam nossas imperfeitas democracias é a pobreza.”

Hugo Chávez, presidente da Venezuela, coluna Clóvis Rossi, Folha de S.Paulo, 17.06.2000

Combater a pobreza é que é a chave da questão. Aliás, a própria população tem consciência disso. Em pesquisa feita pela Datafolha na cidade de São Paulo, no dia seguinte ao ocorrido, 64% dos entrevistados responderam que a prioridade do governo para diminuir a criminalidade deveria ser o combate ao desemprego e melhorias na educação. 34% responderam que a prioridade deveria ser aumento do número de policiais treinados e equipados. Perfeito. Consciência popular já há. Faltam consciência política, planos e ação. Pelo menos o medo do país serviu para colocar a grave questão na ordem do dia.